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EXPLICANDO ASTRONOMIA BÁSICA COM UMA BOLA DE ISOPOR[1]
João Batista Garcia Canalle
Instituto de Física / UERJ
Neste trabalho mostramos como usar uma bola de isopor para explicar os fenômenos astronômicos básicos, pertencentes aos conteúdos dos currículos do 1o grau, tais como 1) dia e noite, 2) duração do dia e da noite, 3) estações do ano, 4) eclipses e 5) fases da Lua. Estes fenômenos normalmente são explicados nos livros didáticos de ciências e ou geografia de 1o grau, porém, sem sugerirem o uso de nenhum material didático. Mostramos, então, que uma simples bola de isopor tem muito mais utilidades didáticas do que as figuras que acompanham as explicações dos livros didáticos.
Este fenômeno, geralmente explicado tanto em livros de ciências como de geografia do 1o grau, é fonte de muitas incompreensões e erros (Canalle et al, 1997, Trevisan et al, 1997 e Bizzo et al, 1996). O erro mais grave é explicá-lo como sendo devido às variações da distância da Terra ao Sol (no verão a Terra fica mais próxima ao Sol e no inverno mais longe). Como é muito comum encontrar nos livros didáticos, alguns dos quais estão listados nas referências de Canalle et al, 1977. Esquecem, contudo, aqueles que assim concluem, que esta não deve ser a explicação, porque enquanto é verão num hemisfério é inverno no outro e ambos pertencem ao mesmo planeta, portanto ambos estão à mesma distância do Sol.
Outras explicações são incorretas e induzem a erros, como por exemplo a afirmativa de que as estações do ano ocorrem devido à órbita elíptica da Terra. Como a órbita à qual é feita a referência geralmente é exageradamente elíptica, fica a associação automática: verão/inverno = Terra mais/menos próxima do Sol.
Outra explicação incompleta é a seguinte: as estações ocorrem devido à inclinação do eixo da Terra e de seu movimento de translação Apesar de não estar errada a frase, é incompreensível para o aluno, além de não especificar que a inclinação do eixo de rotação da Terra é em relação à perpendicular ao plano da órbita.
Contudo, existem livros didáticos que esclarecem corretamente que as estações do ano não são devidas à maior/menor distância da Terra ao Sol mas infelizmente ilustram estas explicações com desenhos nos quais a órbita da Terra é exageradamente excêntrica (achatada), a qual induz à conclusão de que verão/inverno estão relacionados com a menor/maior distância da Terra ao Sol. E como as figuras se fixam mais do que as palavras escritas, o aluno fica com a explicação errada.
Uma típica figura usada pelos livros didáticos para auxiliar a explicação das estações do ano é mostrada na Fig. 15.
Neste tipo de figura fica muito difícil o aluno ver que ocorre diferença de iluminação nos dois hemisférios da Terra durante parte de sua trajetória e também não fica evidente a importância da constância da inclinação do eixo de rotação da Terra para a ocorrência das estações do ano.
Como característica geral dos livros didáticos inexistem sugestões de demonstrações práticas para este fenômeno, com raras exceções, como por exemplo no livro de Beltrame et al, 1996, mas cujo procedimento não funciona, como explica Canalle et al 1997.
Diante deste quadro caótico de explicações erradas ou induções a erros, porque não usar um simples experimento, tal qual uma bola de isopor e uma lâmpada? É o que sugerimos a seguir.
Fig.15 - Típica figura encontrada em livros didáticos para ilustrar a explicação das estações do ano.
Sugerimos usar uma lâmpada de 60 W (127 V ou 220 V, dependendo de onde ela vai ser usada), conectada a um soquete fixo a uma madeira de por exemplo 10 x 10 x 2 cm, com um fio paralelo (n o 14) com cerca de 3 m de comprimento. Sobre a lâmpada deve-se colocar um disco de papel alumínio (um gorro) com cerca de 5 cm de diâmetro, cuja finalidade será apenas a de evitar que a lâmpada ofusque aqueles que estiverem à sua volta. Veja um esquema na Fig. 2 abaixo.
Fig. 16- Esquema da montagem da lâmpada no suporte de madeira.
Sugerimos usar uma bola de isopor com 20 ou 25 cm de diâmetro, atravessada por um eixo que pode ser uma vareta de pipa, ou vareta de churrasco, vareta de bambu, ou algo similar e que sirva a este propósito.
Para a realização desta atividade será necessário um ambiente escuro ou pelo menos escurecido, uma mesa sobre a qual apoiar a lâmpada e alguns livros (ou caixa de sapato) para serem colocados sob a lâmpada, de tal forma que o filamento desta fique aproximadamente na mesma altura do centro da bola de isopor (que, por sua vez, estará na mão da pessoa que apresentará a atividade).
Sugerimos começar a explicação definindo o plano da órbita da Terra, o qual, nas condições em que normalmente se realiza essa demonstração, é o plano paralelo à superfície da mesa sobre a qual está a lâmpada e passando pelo centro do Sol, isto é, da lâmpada que o representa. Em seguida deve-se mostrar qual é a posição do eixo da Terra quando ele estiver perpendicular ao plano da órbita da Terra. Pode-se começar exemplificando o movimento de translação fazendo a Terra (bola de isopor) girar ao redor do Sol, num movimento circular ao redor do Sol, o que é muito próximo da realidade. Esta é uma situação hipotética pois o referido eixo nunca fica perpendicular ao plano da órbita. Enfatizar neste caso que ambos os hemisfério da Terra são igualmente iluminados durante todo o movimento de translação e, portanto, não haveria nenhuma razão para haver diferentes temperaturas (verão e inverno simultaneamente) nos dois hemisférios.
Perguntando-se aos alunos o que se deveria fazer para termos mais iluminação num hemisfério do que em outro, geralmente surge dentre eles a sugestão: inclinar o eixo da Terra. De fato esta condição é necessária apesar de não ser suficiente para termos simultaneamente diferente iluminação[3] nos dois hemisférios e ocorrer a inversão destas diferenças em intervalos de seis meses. É preciso também que a direção do eixo (para onde aponta), uma vez inclinado, seja constante. Portanto as razões para termos as estações do ano são duas: 1o) constância da inclinação do eixo de rotação da Terra e 2o) movimento de translação da Terra ao redor do Sol.
O eixo de rotação da Terra é inclinado 230 em relação à perpendicular ao plano da órbita (Fig. 3) e, portanto, de seu complemento (670) em relação ao plano da órbita. De modo que não se pode dizer (como fazem alguns livros didáticos), que o referido eixo está inclinado de 230 em relação ao plano da órbita, pois neste caso, ele estaria quase deitado sobre o plano da órbita, o que não é verdade.
Entendida a questão do ângulo de inclinação, geralmente surge outra: mas é inclinado para a direita, para a esquerda, para onde? A pergunta procede, afinal, ele, o eixo, pode estar inclinado de 23 graus em relação à perpendicular e apontar para qualquer direção em 3600, como mostra a Fig. 4. Alguns livros didáticos respondem pronta e erradamente: inclinado para a direita. Em astronomia não há sentido em apontar direções como esquerda e direita. Em nossa demonstração é absolutamente irrelevante a direção escolhida, mas há uma condição fundamental: uma vez escolhida a direção, que ela não seja alterada durante a translação da Terra (bola de isopor) em torno do Sol (lâmpada), pois é assim que ocorre na realidade. Este eixo é fixo[4]. Então sugerimos: incline o eixo na direção de uma das paredes da sala e permaneça com ele assim inclinado durante todo o movimento de translação que fizer com a bola de isopor.
Fig.17- Esquema da representação da inclinação do eixo da Terra. A reta P representa a perpendicular ao plano da órbita da Terra (plano p) e e o eixo da Terra, inclinado de 23o em relação à perpendicular e 67o em relação ao plano p.
Fig.18 - O eixo e inclinado de 230 em relação à perpendicular pode apontar para uma direção qualquer (por exemplo e, e, ou e) sobre a superfície cônica descrita pela superfície C.
Professores mais metódicos poderão se questionar: como determino a inclinação de 230 em relação à perpendicular ao plano da órbita? Para os objetivos aqui propostos é irrelevante a inclinação exata a ser dada; aliás, recomenda-se até que se exagere um pouco na inclinação para que fique ainda mais facilmente visível a diferença de iluminação entre os dois hemisférios.
Feitos todos esses esclarecimentos, vem a parte mais difícil: transladar a bola ao redor da lâmpada, num movimento circular, sem variar (muito) a inclinação do eixo da Terra. Na Fig. 19 estão esquematizadas 4 posições sucessivas e diametralmente opostas para as quais deve-se chamar a atenção dos alunos. Supondo que a demonstração começou na posição A, vê-se que o hemisfério 1 está totalmente iluminado enquanto o hemisfério 2 fica apenas parcialmente iluminado. Assim sendo, é verão no hemisfério 1 e inverno no hemisfério 2. Isso só pode ocorrer devido à inclinação do eixo da Terra em relação ao plano da órbita. E, sendo constante esta inclinação, enquanto a Terra gira ao redor do Sol, quando ela estiver passando pelo ponto B é facilmente observável, na demonstração proposta (mas não em figuras tal qual a Fig. 15 ou a Fig. 19 abaixo), que ambos os hemisférios agora estão igualmente iluminados. Portanto o hemisfério 1 passou a receber menos luz (passou de verão para outono) e o hemisfério 2 passou a receber mais luz (passou de inverno para primavera).
Continuando a Terra em seu movimento de translação e com seu eixo sempre inclinado da mesma maneira, quando ela passar pela posição C indicada na Fig. 19, o hemisfério 1, que tinha perdido iluminação ao passar de A para B (quando passou de verão para o outono), perdeu ainda mais iluminação, passando do outono para o inverno. Justamente o contrário aconteceu com o hemisfério 2, que quando passou de A para B ficou mais iluminado (passou de inverno para primavera), agora ficou ainda mais iluminado (como pode-se ver claramente na demonstração prática, mas não em figuras tais como a Fig. 1 ou a Fig. 19) passando de primavera para verão. O processo inverso ocorre indo de C para D e retornando à posição inicial A.
Terra
Fig. 19 - Figura esquemática, sem proporções, mostrando o Sol e a Terra em 4 posições (A, B, C, D) diametralmente opostas. Na demonstração prática proposta, fica visível a diferença de iluminação nos hemisférios 1 e 2 esquematizados nas posições A e C pela diferença de raios luminosos que atingem cada hemisfério. Nas posições B e D não é possível representar a igualdade de iluminação nos dois hemisférios, mas é perfeitamente visível na demonstração. O eixo de rotação, nesta figura, está exageradamente inclinado. Esta figura não deve ser usada para se entender o fenômeno. Ela deve ser usada apenas para se entender o manuseio da bola de isopor ao redor da lâmpada.
É imprescindível que ao realizar esta experiência os alunos estejam ao redor da mesa sobre a qual está a lâmpada[5], para que possam ver as diferenças de iluminação entre os hemisférios. Também é recomendável que o professor pare a bola nas posições A, B, C e D e que os alunos caminhem[6] ao redor da mesa para melhor observarem as diferenças de iluminações nos hemisférios 1 e 2 nas posições A e C e a igualdade delas nas posições B e D.
Se o professor não conseguir fazer a translação da bola de isopor mantendo constante a inclinação do seu eixo, sugerimos fixar a vareta do eixo numa base de madeira (Fig. 20) e arrastar (sem girar sobre si mesma) essa base de madeira sobre a mesa e ao redor da lâmpada.
Fig 20 - a) Esquema de como fixar a bola de isopor numa madeira (por exemplo com dimensões de 10x20x2cm) para facilitar a demonstração. b) Para fazer o furo na inclinação de 230, basta recortar um pedaço de papelão com a forma e dimensões da Fig. 6b, apoiar o papelão na vertical com o lado de 10 cm apoiado sobre a madeira e bater um prego paralelo ao lado AB do papelão.
Também pode-se utilizar 4 bolas de isopor, uma em cada posição A, B, C e D. Mas isso, evidentemente, implica em quadruplicar custos e trabalho.
O dia e a noite
Este fenômeno que atinge quase todos nós[7] todos os dias, geralmente é explicado na 1a série do 1o grau e pode-se usar a montagem apresentada no item anterior para explicá-lo sem maiores dificuldades. Para essa explicação na 1a série do 1o grau não é didaticamente aconselhável mencionar a inclinação do eixo de rotação da Terra, por isso pode-se fazê-lo com o eixo na vertical. Quando o fenômeno das estações do ano for estudado, então, será oportuno explicar que devido à inclinação do eixo de rotação da Terra, a duração dos dias e das noites variam, dependendo da localização do observador sobre a Terra e da época do ano, conforme explicamos no item 3 abaixo.
De posse da montagem anterior, com a bola de isopor fixada na base de madeira (Fig. 20a), colocada na posição C da Fig. 19, fica muito fácil explicar, mostrar e inclusive medir a duração dos dias e das noites em função da latitude e da posição da Terra em seu movimento de translação.
Na Fig. 21 mostramos, esquematicamente, como é a divisão dia-noite, no hemisfério 1 durante o inverno e no hemisfério 2 durante o verão.
Fig. 21- A linha circular C paralela à linha do equador mostra, no hemisfério 1, quando nele é inverno, o período diurno (arco contínuo) Sd e o período noturno (arco tracejado) Sn e o mesmo no hemisfério 2 quando é verão. (Nesta Fig.7 está representada a posição C da Fig. 5.)
A linha circular paralela ao equador mostra a duração do dia (na parte contínua da linha - Sd). Sugerimos que se desenhe tal curva na bola de isopor e se meça com uma fita métrica o comprimento dos arcos tracejados e contínuos da linha circular paralela à do equador, por exemplo, do hemisfério 1. Seja Sd e Sn o comprimento do arco para a parte diurna e noturna respectivamente. Sabemos que a soma de Sd e Sn é equivalente a 24 horas (duração de um dia solar médio), e, portanto, Sd é proporcional à duração do dia (Td) e Sn é proporcional à duração da noite (Tn). Assim, vale a regra de três:
e equivalentemente
Conforme é visível na montagem, a duração do dia e da noite são diferentes mas complementares, isto é, se o dia dura 13 horas, a noite (naquele mesmo hemisfério e latitude) dura 11 horas e o oposto ocorre no outro hemisfério e na mesma latitude. Na posição C indicada na Fig. 5, os dias do hemisfério 1 são curtos e as noites longas, enquanto que o oposto ocorre com o hemisfério 2. As duas expressões acima obviamente são apenas aproximadas. Pode-se observar, também, que aumentando-se a latitude (q ® 900), o segmento Sd vai diminuindo e Sn vai aumentando, ou seja, quanto mais próximo do pólo geográfico do hemisfério 1, menor o dia (no inverno) e maior a duração da noite, tal que, bem próximo deste pólo, na posição C (Fig. 5), o segmento Sd vai a zero (desaparece) e toda a curva C seria tracejada, indicando noite de 24 horas, isto é, no inverno do hemisfério 1, o Sol fica abaixo do horizonte o dia todo. Na mesma posição C da figura 19, o oposto ocorre para o hemisfério 2 quando muito próximo do pólo geográfico 2, indicando dia de 24 horas. Neste caso, vê-se o Sol à meia noite, no horizonte local. Por outro lado, no equador a duração do dia e da noite é praticamente idêntica o ano todo, em quaisquer das posições A, B, C ou D.
[1] Trabalho apresentado durante o I Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC), Águas de Lindóia, SP, 27 a 29 de novembro de 1997
[2] Na verdade isopor é o nome de um dos fabricantes. O nome correto é poliestireno expandido.
[3] Estamos usando aqui iluminação como sinônimo de temperatura; apesar de não serem a mesma coisa, estão relacionadas.
[4] Na verdade não é fixo, mas no tempo de um ano não ocorre nenhuma alteração perceptível.
[5] Também deve-se chamar a atenção para o fato de que próximo à linha do equador (esquematizado na Fig. 19) quase não há grandes diferença de iluminação durante todo o movimento de translação da terra, por isso, lá as estações não são caracterizadas por variação de temperatura.
[6] Cuidado: deve-se fixar bem o fio da lâmpada junto ao piso para que não haja acidentes (tropeções) pois o ambiente deve estar pouco iluminado uma vez que só estará acesa a lâmpada sobre a mesa.